O Aborto e a Cultura da Morte ou A Gnose dos Homens de Preto

Publicamos, em caráter extraordinário, o artigo semanal de Frei Zaquel.

Trata-se do 2º artigo de 3, de uma série sobre o Aborto. No dia de amanhã será publicado o último artigo dessa série, encerrando-a, e também os artigos iniciais de Frei Zaqueu. Boa leitura!


Frei Zaqueu

(freizaqueu@gmail.com)

“As crianças são inocentes e amam a justiça, enquanto muitos de nós somos vis e naturalmente preferimos a misericórdia.” (G. K. Chesterton)

À guisa de introdução não sou antropólogo. Nem sociólogo. Artista, filósofo ou necrolátrico. Mas a coisa vem tomando contornos catastróficos. Então há que emitir, com alguma insistência, sob pena de se cultuar um dos atos que mais conduzem ao abismo eterno e sem fim: o ato da omissão. Isto posto, vamos ao que interessa.

7 dias. E falamos sobre o Aborto, mas sob a peculiar ótica do Limbo das Crianças[1] que, ao que parece, desde a supressão do direito à vida por parte dos nossos Homens de Preto, verá elevado seu índice demográfico. Ao discorrer sobre este tema aludi en passant a outro, o da cultura da morte em que está inserido, e que ocupará aqui a cadeira da presidência, ainda que de maneira compartilhada. No primeiro abordei o Limbo como uma das possíveis causas-consequências sobrenaturais para o Aborto institucionalizado. Aqui, abordarei o que move este ato, sua legalização ilegal e a adesão por parte de pessoas cuja defesa da vida deveria vir umbilicalmente ligada à função que exercem. Também o contexto em que se insere, o da Cultura da morte, expressão coeva[2] cujo alvo é a cova, com o perdão do trocadilho.

Então, vejamos: Aborto, suicídio, divórcio, homicídio, eutanásia, homossexualismo, ideologia de gênero, prostituição e promiscuidade: caracterizações do que conhecemos como a Cultura da Morte.  Por motivo simples – ainda que complexo – a caracterizam: por serem causa ou consequência de morte, nos únicos dois sentidos em que podemos empregar o termo: o físico e o espiritual. A curto, médio ou longo prazo, não importa. Enganam-se, contudo, os que estancam aí as caracterizações deste mote, pois os tentáculos do polvo são incontáveis. A título de emissão queiram, data venia, acompanhar-me: New Age, esoterismo, espiritismo, hedonismo, hinduísmo, ecologismo, drogas e alcoolismo. Islamismo, máfia, budismo, rock n’roll, macumba, umbanda, candomblé e xamanismo. Romantismo, ateísmo, funk, agnosticismo, marxismo, liberalismo, carnaval e socialismo. Hare krishna, gramscismo, ioga, heiki, iluminismo, eugenia, rosa cruz, corrupção e comunismo. Indigenismo, vodu, moda, quimbanda, necrofilia, ocultismo, magia, sufi, maçonaria e satanismo. Estes são alguns tentáculos extra Ecclesiae. Não faltariam os intra Ecclesiae, só me falta o espaço. Mas para não correr também eu o risco da omissão, faço a menção de uma dupla inseparável ao nível do Dr. Jekyll e Mr. Hyde[3]: Dr. Protestantismo e Mr. Modernismo, com a diferença apenas nos efeitos esquartejadores. Que se faça o registro. Mas que também se explique. Porque se chegamos ao ponto de se ter de elaborar teses científicas, organizar congressos e simpósios, fazer leis ou nos aproximar das táticas do Greenpeace para convencer gente inteligente e estudada que, a exemplo do gênero, número e grau gramáticos, só existem homem e mulher, desconfio que a inteligência chegou mesmo ao limbo, sem esperanças para si a não ser por intervenção divina direta. Porque, como recentemente anunciaram os meios científicos: “os fatos, não a ideologia, é que determinam a realidade”[4]. Com isso a ciência demonstra uma das mais antigas verdades do universo, a de que existem verdades absolutas, também chamadas dogmas. Usemos então da lógica, cuja antonomásia é senso comum. Para não matar ou desperdiçar neurônios, nem neoconcebidos.

De um lado, falar em uma cultura da morte é necessariamente falar em uma filosofia da morte que lhe é anterior esteio; esta, por sua vez, não existe senão cimentada em uma teologia da morte, pois a trave horizontal da cruz, a sustenta, a vertical, não o contrário. Isto, em linguagem feminina, e têm-se: filha, mãe e avó. Todas bem nascidas, ainda que falemos em causas e efeitos de morte.

De outro, temos que Cristo é o Caminho, a Verdade e a Vida; isto, ainda que posto em dúvida é indubitável. Ocorre que dada a característica uníssona de Cristo, em verdade um só poderia ser o caminho em que esta Vida se tornaria integralmente manifesta às criaturas humanas. Esse caminho inicia-se com a Antiga e conclui-se com a Nova Aliança. Em outras palavras, de um Povo Escolhido passa-se a uma Igreja Una, Santa, Católica e Apostólica.

Deste axioma conclui-se que tudo o que não esteja contido verdadeiramente neste Caminho, em algum ponto do caminho revelará não o gérmen da vida, mas o da morte. O que quero dizer é que tudo o que não seja stricto sensu católico em maior ou menor grau integrará uma Cultura da morte, porque pertencerá a uma Filosofia esteada em uma Teologia da morte. Queiram ou não abortar esta verdade os supremos, os tribunais e os federais mundo afora. Porque tudo o que não proceda diretamente da Vida, dada a condição da Queda original, estará sob o jugo da morte. Por isso Jesus Cristo ordenou a pregação do seu Evangelho com o consequente Batismo trinitário “a toda a criatura” (Mt XXVIII, 19; Mc XVI, 15). Desta maneira compreende-se melhor o caráter de perenidade de um dogma: por conter em si a perene semente da Vida que o revelou. Em outras palavras: um dogma não muda porque Cristo, a Verdade, é imutável.

Isto, ligado ao presente artigo, será compreensível à medida em que tivermos clareza de que os nossos supremos Homens de Preto, ao legislar (sic!) legalizando o matricídio/parricídio das proles até a trindade mensal intrauterina, não fazem outra coisa senão manter viva uma filosofia cuja teologia gira em torno de uma heresia mortífera por nome Gnose, diametralmente oposta à verdade católica. Não por acaso esta palavra empresta sua inicial para a composição logótipa de outro tentáculo mortal: uma misteriosa agremiação constituída de outros sombrios homens de preto. Não por acaso ela ainda foi, por exemplo, o artefato teórico que catapultaria os cátaros[5] se a Igreja com a Santa Inquisição antes não os sepultasse. Esclarecendo neste ponto que se os cátaros não fossem sepultados pela Igreja, eles é que sepultariam não só uma boa parte da mesma como também da própria humanidade; sendo muito provável que, por exemplo, muitos dos pouco informados críticos desta Santa Inquisição jamais o fossem (porque sequer existiriam…).

É que a Gnose, originada na grande inteligência de um ser sem cabeça – mas “homicida desde o princípio” – e dali inoculada em algumas cabeças não digo sem inteligência, mas nada sábias, é contrária à vida tal como a conhecemos. A explicação do que seja a Gnose se dá em algo similar à consideração da matéria não com, mas como um defeito de fábrica. Por ter sido criada como prisão para o que os gnósticos denominam partículas ou centelhas divinas; a princípio livres, leves, soltas e sorridentes pelo universo, uma espécie de micro deuses. Prisão esta criada por ninguém menos que o ser a quem chamamos de Criador, que para aquelas cabeças é o Demiurgo, ou o Bad God, o “Deus do Antigo Testamento”. Daí que toda matéria é sinônimo de “prisão de centelha divina”; e para que as tais centelhas tornem a cintilar pelo universo sem fim há duas vias principais, uma para os que aqui chamarei “primos ricos” outra para os que denominarei “primos pobres”. Estes últimos serão literalmente os primeiros a voltar a cintilar, mas pela via da eliminação. Pela eliminação da matéria creem os gnósticos que se tornam algum tipo de juiz de soltura às centelhas injustamente aprisionadas, devolvendo-as ao universo donde voltarão a ser integralmente… divinas. Os meios para esta “obra de caridade”? Todos os ligados à cultura da morte.

Mas se há eliminados é de se supor que haja eliminadores. Tais são os “primos ricos”, assim considerados não somente por seu poder aquisitivo, como também pelas facilidades de acesso a uma categoria de conhecimento (do grego gnosis) denominada iniciática ou esotérica. Tal seleto pequeno rebanho será o (auto)responsável pela elaboração das teologias que fundamentarão as filosofias que darão o necessário suporte às ideologias que por seu turno serão as pedras angulares das leis que obrigarão os homens a fazerem o que fez o profeta Jonas, a princípio: ir na contramão da razão obediente e ordenada. Ou ainda o que denunciou o Apóstolo: trocar a verdade de Deus pela mentira, e adorar e servir às coisas e aos seres criados em lugar do Criador. Tudo com o curioso detalhe de que os iniciados – também autoconsiderados iluminados ­– têm como “instrumentos de execução” de sua ideológica filosofia teológica um rol de operários (inocentes úteis) que vão do personal training ao congressista; do professor primário ao governante; do recruta militar ao juiz (todos também elimináveis quando a conveniência assim o requerer).

Daí que quando vemos os nossos demiurgos[6] do Supremo a uma só voz com legisladores e governantes inventando, aprovando, promovendo e obrigando a sociedade a um comportamento contra naturam (porque irracional), há que denunciar claramente a existência por trás de tais (más) ações, de ideologias muito bem definidas. Que nos bastidores das políticas públicas se articulam teologias e filosofias privadas, pouco ou nada perceptíveis, mas bem assimiladas por todos os poros sociais sejam eles religiosos, midiáticos, universitários, escolares, militares, políticos, econômicos, culturais etc. E sem que nos demos conta, nós, demos[7], já estaremos bem habituados ao Monstro que nos devora!

O Aborto integra uma Cultura de morte. Esta última integra uma Filosofia de morte, que por seu turno integra uma Teologia de morte concentrada de forma especial, ainda que não exclusiva, no abrangente pensamento gnóstico[8]. A maioria ignora. Muitos desdenham. Outros tantos negam, ignorante ou maliciosamente. Mas como “não há nada de oculto que não venha a revelar-se”[9], caberá, aos de boa vontade, uma prece: “Senhor, que eu veja!”[10]

Na Festa de Santa Luzia do ano da graça de Nosso Senhor Jesus Cristo de 2016.

 

______________________

* Publicado em 14/12/2016

 


NOTAS:

[1] http://www.sensusfidei.com.br/2016/12/06/primeiro-de-tres-o-aborto-e-o-limbo-ou-diante-do-supremo-tribunal-celestial/#.WEqmCOgrKCi; http://www.ofielcatolico.com.br/2006/12/o-aborto-e-o-limbo-ou-diante-do-supremo.html; http://www.padremarcelotenorio.com/2016/12/primeiro-de-tres-o-aborto-e-o-limbo-ou-diante-do-supremo-tribunal-celestial/

[2] Recente.

[3] Personagens da obra Strange Case of Dr Jekyll and Mr Hyde (1886), em português O médico e o Monstro, de Robert Louis Stevenson. De fato um só personagem com dupla personalidade, em que uma esquartejava suas vítimas, em sua maioria prostitutas.

[4] http://www.avozdocidadao.com.br/agentesdecidadania/saude-publica-associacao-americana-de-pediatras-fulmina-ideologia-de-genero/

[5] Seita gnóstica europeia dos séculos XI e XII, que defendia, entre outras coisas, a morte por inanição, o aborto e mesmo o assassinato de mulheres grávidas por crerem no princípio da matéria como coisa intrinsecamente má, como veremos a seguir.

[6] Aqui o termo é empregado como sinônimo de um corpo de notáveis que formam uma restrita assembleia, partícipes de uma magistratura, ainda, como o corpo dos principais magistrados de uma cidade.

[7] Do grego: o povo.

[8] Cujo conceito o encontramos de forma inteligentemente explorado na obra Antropoteísmo – A Religião do Homem (Montfort, 2011), de Orlando Fedeli.

[9] Mc IV, 22.

[10] Lc XVIII, 41.

1 comentário

Comente o post